[Resenha] O feiticeiro de Terramar

Essa resenha foi feita com base no e-book em inglês da Houghton Mifflin Harcourt. A tradução de trechos foi feita por mim.

ursulaleguinearthsea01Sinopse:

A ilha de Gont, montanha solitária cujo topo se eleva à altura de uma milha sobre o tormentoso Mar do Nordeste, é uma terra famosa por seus bruxos. Das vilas em seus altos vales e dos portos nas baías estreitas e escuras, muitos gontenses partiram para servir aos Senhores do Arquipélago em suas cidades, como bruxos ou magos, ou ainda, em busca de aventuras viajaram praticando magia de ilha em ilha, por toda a Terramar. Destes, dizem que o maior e com certeza o que mais viajou foi o homem chamado Gavião, que em seu tempo tornou-se senhor do dragão e também Arquimago.

Fonte: Livraria Cultura

Este livro de 1968 é o primeiro de Ursula K. Le Guin que leio. A autora é mais conhecida por suas obras de ficção científica (a Babi resenhou um clássico dela, A mão esquerda da escuridão), mas a série de Terramar tem vários livros e é considerada um dos clássicos do gênero.

O universo da obra foi apresentado em dois contos anteriores, mas este é o primeiro livro inteiro, e nele somos apresentados a Duny (depois chamado Ged, e também conhecido como Sparrowhawk, ou Gavião), um garoto com dom para a magia que mora em um vilarejo em uma das muitas ilhas do Arquipélago – habitadas por raças diferentes, dragões e muitos magos.

Ged é treinado na magia inicialmente por uma bruxa local; depois, quando demonstra a extensão de seus poderes, por um mago que lhe adota como aprendiz – até que o garoto, impaciente, decide estudar em uma escola de magos, na ilha de Roke. Lá, faz um inimigo, e esta inimizade o leva a cometer um ato imprudente – um feitiço que convoca os mortos. Ele invoca uma misteriosa sombra de origem e natureza desconhecidas que vai determinar a sua jornada ao longo deste primeiro livro.

Gostei bastante do universo de Le Guin – Ged viaja muito ao longo do livro e vemos diferentes ilhas, povos, cidades e vilarejos, que dão a impressão de um mundo secundário muito bem pensado (só achei que o livro se arrasta um pouco em alguns momentos – são muitas as descrições de viagens, que ficam um pouco cansativas). A magia é baseada no nome verdadeiro das coisas, envolvendo conceitos como Equilíbrio e Padrão, e podendo ser Ilusão ou Mudança verdadeira. O mais legal, pra mim, é que ela é totalmente naturalizada no mundo da obra: em quase todos os cantos do Arquipélago, magos são frequentes (principalmente na ilha de Roke, onde as pessoas nem piscam quando um estudante de magia se transforma em pássaro ou faz alguma outra coisa bizarra).

O livro é infantojuvenil, e a narrativa é bastante adequada para essa faixa etária: há um ar de conto de fadas, e me lembrou um pouco (tanto pela linguagem como pelo tema) o clássico de T. H. White, The Once and Future King. Admito que não fiquei completamente deslumbrada pela obra, mas acho que ela deve ser vista em contexto: por ser um livro basilar, naturalmente apresenta ideias que já vimos em obras anteriores e posteriores (como seus magos bem prototípicos, ou dragões – um dos quais lembra bastante Smaug).

Mas, em meio a toda essa familiaridade, há também alguns pontos inovadores, como a própria autora aponta no posfácio. Primeiro, o fato de a maioria dos protagonistas serem negros (o que não foi retratado nas capas até bem mais tarde); segundo, o fato de não envolver uma guerra ou batalha física, mas pessoal e interna: um tipo bem diferente de desafio a ser superado pelo protagonista, o que é bem raro até hoje.

Acho que a obra ainda deve encantar leitores mais jovens, e vale a pena ser lida pelos fãs do gênero, não só pelos motivos que apontei acima, mas também pra conhecer a origem de muita coisa – por exemplo, a ideia de uma escola de magia seria retomada por uma série que nem preciso nomear, e o sistema de magia (baseado no nome verdadeiro de todos os seres) também deve lembrá-los de uma famosa série atual (pra não mencionar o fato de que Terramar conta a história de origem de um grande mago… cof, cof, nada se cria no mundo da literatura). Enfim, é uma história encantadora e curta. Não sei se chegarei a ler as continuações, mas gostei de acompanhar Ged em sua jornada de autoconhecimento.

*

Um mago de Terramar
Autora: Ursula K. Le Guin
Editora: Brasiliense
Ano de publicação: 1968
Ano desta edição: 1994 [esgotada]
222 páginas
Em inglês: A Wizard of Earthsea, Houghton Mifflin Harcourt, 2012 (e-book)

 

Citações preferidas

Irritava-o que fosse morrer, empalado numa lança kargiana, ainda um garoto: que fosse adentrar a terra escura sem jamais ter descoberto seu nome verdadeiro, seu nome real de homem. Ele olhou para os braços finos, úmidos com o orvalho frio, e amaldiçoou sua fraqueza, pois conhecia sua força. Havia poder nele, bastava saber como usá-lo, e ele buscou entre todos os feitiços que conhecia por algum artifício que pudesse dar a ele e a seus companheiros uma vantagem, ou pelo menos uma chance. Mas a necessidade sozinha não é o bastante para libertar o poder: é preciso conhecimento.

*

“Você tem grande poder inato, e usou esse poder erroneamente, para lançar um feitiço sobre o qual não tinha controle, sem saber como esse feitiço afetava o equilíbrio da luz e da escuridão, da vida e da morte, do bem e do mal. E foi levado a isso por orgulho e por ódio. É surpreendente que o resultado tenha sido a ruína?”

*

“Mas eu ainda não aprendi nada!”

“Porque não descobriu o que estou ensinando.”

*

“Você pensava, quando era garoto, que um mago é alguém que pode fazer qualquer coisa. Eu também já pensei assim. Todos nós pensamos. Mas a verdade é que, conforme o poder real de um homem cresce e seu conhecimento se amplia, cada vez mais o caminho que ele pode seguir se estreita: até que, por fim, ele escolhe não fazer nada, exceto apenas e completamente o que deve fazer…”

*

“É muito raro”, o rapaz disse enfim, “que dragões ofereçam favores aos homens.”

“Mas é muito comum”, disse o dragão, “gatos brincarem com os ratos antes de comê-los.”

“Mas eu não vim aqui para brincar, ou para que você brinque comigo. Vim fazer um acordo com você.”

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2 respostas em “[Resenha] O feiticeiro de Terramar

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