Esta resenha foi feita com base na edição da Gollancz. A tradução de trechos foi feita por mim.
Sinopse:
Debaixo da Universidade, bem lá no fundo, há um lugar escuro. Poucas pessoas sabem de sua existência, uma rede descontínua de antigas passagens e cômodos abandonados. Ali, bem no meio desse local esquecido, situado no coração dos Subterrâneos, vive uma jovem. Seu nome é Auri, e ela é cheia de mistérios. A música do silêncio é um recorte breve e agridoce de sua vida, uma pequena aventura só dela. Ao mesmo tempo alegre e inquietante, esta história oferece a oportunidade de enxergar o mundo pelos olhos de Auri. E dá a chance de conhecer algumas coisas que só ela sabe…
Fonte: Livraria Cultura
Quando o prefácio começa com o próprio autor dizendo “Talvez você não queira comprar esse livro”, você sabe que a coisa vai ser polêmica. A música do silêncio é uma novela sobre uma das personagens mais misteriosas da Crônica do Matador do Rei: Auri. A narrativa em terceira pessoa, que é quase um estudo de personagem, acompanha a garota durante uma semana nos Subterrâneos em que mora.
E realmente não é para todo mundo, como o próprio Rothfuss reitera no posfácio (e o modo como o cara se justifica sem parar pela publicação deste livro é um espetáculo à parte – calma, Pat, a gente ainda te ama!). A escrita do autor sempre foi poética – esse é um dos aspectos que as pessoas tendem sempre a destacar sobre os livros –, mas nada que escreveu se aproxima tanto da poesia quanto esta obra. E, como um poema, ou o texto vai tocar o leitor ou não vai, o que explica as opiniões muito divididas que se encontram por aí.
Não dá pra fazer uma sinopse exatamente, já que não há uma história no sentido tradicional: a novela narra o dia a dia de Auri, explorando lugares abaixo da Universidade, procurando objetos para dar a Kvothe (que aparece apenas como “ele”, porque só existe um ele para Auri) e colocando as coisas nos seus lugares certos. Descobrimos que a personagem tem uma percepção muito especial sobre os objetos inanimados e a sua “vontade”, de modo que sente onde eles desejam estar e se esforça para colocá-los lá.
Loucura? Talvez, mas não pude não me lembrar de um dos meus personagens preferidos da série, Elodin, que também é considerado louco, mas possivelmente apenas tem uma compreensão maior sobre o mundo (e o nome das coisas). A novela dá a entender que Auri é uma dessas pessoas que vê muito mais que a maioria. Inclusive, mesmo quem não gostar da lentidão da narrativa deve se interessar pelas pistas que o livro dá sobre o universo da série (descobrimos que o mundo é chamado Temerant) e sobre o passado da própria Auri.
Eu, pessoalmente, amei esse livrinho – muito mais do que esperava. Cheguei a chorar em alguns pontos, e o li de uma sentada só, mergulhando no ponto de vista peculiar da personagem. Me apaixonei pela sutileza da escrita de Rothfuss, que adequa seu texto perfeitamente à delicadeza da personagem (da mesma forma que a narrativa de Kvothe nos livros, ou de Bast, em “A árvore reluzente”, se adequa perfeitamente à personalidade desses personagens). As preocupações e tarefas de Auri parecem, à primeira vista, absolutamente banais, mas, graças à preocupação da personagem, nós passamos a nos preocupar com elas também.
E achei que, apesar da monotonia aparente da novela, ela é uma obra-prima da construção de expectativa: na maior parte do texto, acompanhamos Auri com seus passinhos cuidadosos e cautelosos, até que Pat nos entrega uma cena que muda tudo o que pensávamos saber, e que me deixou de queixo caído. Mas não vou contar – leiam.
Vale mencionar que o livro contém ilustrações de Nate Taylor, que são lindas e que ajudam a visualizar os lugares misteriosos dos Subterrâneos. Não recomendo a novela para quem não leu os dois livros da série, mas se você gostou da Crônica, vale arriscar. Para mim, há pouquíssimos autores de fantasia com a mesma sensibilidade que Patrick Rothfuss. Suas obras, especialmente esta, não vão agradar a todos, mas nem precisam ou almejam tal coisa: para aqueles a quem são destinadas, certamente serão muito especiais.
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A música do silêncio
Autor: Patrick Rothfuss
Tradutora: Vera Ribeiro
Editora: Arqueiro
Ano de publicação: 2014
144 páginas
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Citações preferidas
Alguns lugares tinham nomes. Alguns lugares mudavam seus nomes, ou tinham vergonha de admiti-los. Alguns lugares não tinham nomes, e isso era sempre triste. Ser reservado era uma coisa. Mas não ter um nome? Que terrível. Que solitário.
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Alguns dias simplesmente pesavam como pedras. Alguns eram tão caprichosos quanto gatos, fugindo quando você precisava de conforto, então voltando quando você não os queria, roubando seu fôlego.
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Seu nome era como um eco de uma dor dentro dela.
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Ela sentiu o pânico crescendo dentro dela. Ela sabia. Sabia quão rápido as coisas podiam se quebrar. Você fazia o possível. Cuidava do mundo pelo bem do mundo. Torcia para ficar a salvo. Mas, mesmo assim, ela sabia. O mundo podia desabar e não havia nada que você pudesse fazer. E sim, ela sabia que não era certa. Sabia que seu tudo estava torto. Sabia que sua cabeça era toda desajustada. Sabia que não era verdadeira por dentro. Ela sabia.
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