Essa resenha foi feita com base na edição da Bantam Books e contém spoilers para toda a Saga do Assassino e a trilogia Liveship Traders, assim como dos livros anteriores desta trilogia. A tradução de trechos foi feita por mim.
Sinopse:
FitzChivalry Farseer está firmemente integrado à corte da rainha. Junto com seu mentor Chade e Thick, Fitz tenta ajudar o príncipe Dutiful em uma missão que pode garantir a paz com as Out Islands – e ganhar para Dutiful a mão da narcheska Elliania. A narcheska escolheu uma tarefa inimaginável: decapitar um dragão preso no gelo na ilha de Aslevjal. Sabendo que o Bobo previu que vai morrer nessa ilha de gelo, Fitz pretende deixar seu amigo mais querido para trás. Mas o destino não pode ser derrotado tão facilmente.
Fonte: Amazon
Há um grupo muito reduzido de livros nos quais eu penso em termos de: “Eu amei isso mais do que a vida e agora nunca, nunca, nunca vou ler isso de novo”. Fool’s Fate cai nessa categoria. Levei uma semana depois de terminar o livro para conseguir escrever esta resenha. Minha experiência de leitura pode ser resumida por:
Preparados??? Vamos lá.
A história começa exatamente onde o livro anterior parou, com Buckkeep se preparando para a viagem de Dutiful às Out Islands a fim de matar o dragão Icefyre, o que foi a condição bizarra de Elliania para casar-se com ele. Enquanto isso, na vida de Fitz, o caos de sempre. No final do livro anterior, ele contou para Chade a previsão do Bobo: de que ele (o Bobo) morreria na viagem. E Chade – que não andava se batendo muito com o Bobo – aproveitou para garantir a Fitz que não o deixaria ir com eles. Pois bem, Fitz, sabendo que mais uma vez foi um enorme babaca e que não devia ter aberto a boca, lida com isso da mesma forma como lida com todos os problemas: ignorando-os pra ver se eles desaparecem sozinhos.
Mas é claro que o Bobo vai acabar chegando a Aslevjal. E é claro que eles vão acabar encontrando o dragão – assim como a misteriosa Mulher Pálida. O livro entrega tudo que vem prometendo nos dois anteriores, e aumenta a tensão, emoção e desespero a níveis nunca antes atingidos (e olha que as trilogias anteriores são bem emocionantes!). O livro também tem um tom bem diferente: assim como A fúria do assassino muda bastante em relação aos anteriores, em Fool’s Fate as intrigas políticas dão lugar a uma Fantasia Épica (com letra maiúscula). Mas, diferentemente de A fúria do assassino, com o qual eu tive alguns problemas, Fool’s Fate é simplesmente e absurdamente bom.
O começo tem um ritmo mais lento: eles chegam às Ilhas e têm várias discussões políticas, há muito frio e desconforto, e Thick me deixava louca às vezes, por mais que eu adore o personagem. Mas, quando o grupo se coloca a caminho do dragão, a história pega ritmo e não te deixa largar mais o livro.
A “nova geração” está ótima: Nettle, como eu imaginava, tem um papel bem maior nesse livro, e se tornou uma das minhas personagens preferidas (e suas habilidades com o Talento são bem legais, lembrando muito as caminhadas por sonhos em A roda do tempo). Dutiful também continua excelente; ele realmente parece filho de Verity. No entanto, se esforça para lidar com suas reações adolescentes em relação à noiva (que, aliás, podia ser um pouquinho mais velha, né? Hobb, por que essas crianças estão se casando?). Só acho a existência de Civil bem desnecessária; rapaz, ninguém aqui se importa com suas desilusões amorosas. Swift, filho de Burrich, é teimoso e nobre como o pai, e tem um momento épico no livro. Quero ver mais dele. E Thick, como disse, é de enlouquecer às vezes, mas a extensão dos seus poderes sempre me impressiona e é bem legal ver como ele encara o mundo. Ele e Fitz têm um momento muito fofo nesse livro.
Kettricken infelizmente dá uma sumida nesse livro, já que não acompanha a missão do filho. Também senti saudades de Hap, embora não dos dramas dele. Já Chade está sempre presente e meus sentimentos em relação ao assassino continuam conflituosos: gosto de suas tramas e moralidade ambígua, mas agora que ele está focado em agarrar o poder para si e tirar o máximo de proveito do Talento para seu próprio ganho e para resolver seus traumas de infância, comecei a cansar um pouco do personagem. Mesmo assim, ele tem um momento bem sensível neste livro, que eu apreciei, e sempre me divirto vendo-o tentar controlar todo mundo enquanto as pessoas só fazem o que querem.
Quanto ao Bobo, o que eu posso dizer sem spoilers é que este é realmente o seu livro. Afinal, a trilogia é chamada The Tawny Man, e ele completa sua missão como Profeta Branco, que sabia ter desde O aprendiz de assassino. Aliás, gosto muito dos motivos dele para querer que os dragões voltem à Terra: é simplesmente que os humanos estão arrogantes demais. É uma visão difícil de explicar para os outros, uma vez que são humanos e, bem, estão preocupados com questões de curto prazo, como as relações com reinos vizinhos, casamentos, entre outras coisas bobas. Mas ele tem uma perspectiva maior. Nesse livro ficamos sabendo um pouco mais sobre a sua vida, e conhecemos outro personagem que acaba revelando muito sobre ele. Quanto ao relacionamento com Fitz… ah, mais comentários depois do aviso de spoilers! Aqui, só posso dizer que tudo é sofrimento e maravilhoso e terrível e lindo ao mesmo tempo.
Nesse livro, apesar do que eu disse antes, Fitz se redime bastante das babaquices anteriores. Acho que a frustração que ele causa deve-se ao fato de ser menos um personagem que uma pessoa real que Hobb evocou de alguma dimensão da existência. Seus defeitos e reações são tão humanos que você se vê nele, ou pelo menos consegue acreditar nele como pessoa imediatamente, e por isso fica tão frustrado quando ele faz suas burradas. Eu só queria sentá-lo na frente de um psicólogo. Enfim, também venho gostando muito de vê-lo usar o Talento com tanta liberalidade; é legal finalmente vê-lo usando a habilidade que por tanto tempo deixava-o incapacitado. A expansão do uso do Talento e a coterie de Dutiful dão um senso forte de evolução nesse aspecto; vemos a magia voltar à ativa e ser empregada pela primeira vez em muito tempo, num processo de tentativas e erros.
Esse livro também é maravilhoso porque os segredos de Fitz começam todos a escapar pelos seus dedos. Sim, muitas revelações que esperávamos há tanto tempo acontecem, e a vida de Fitz tomará outro caminho a partir de agora. Aliás, a obra retoma pontas deixadas soltas desde A saga do assassino, algumas que sempre me incomodaram. Hobb não deixa de me impressionar com o modo como resolve algumas coisas depois de livros inteiros. Uma delas, a coroa que o Bobo encontrou lá em Liveship Traders, tem um papel importantíssimo na trama.
O livro é épico, emocionante e triste de morrer. Ler essa série tem sido uma experiência única. Fãs de fantasia, façam um favor a vocês mesmos e comecem o quanto antes.
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COMENTÁRIOS COM MUITOS SPOILERS:
- Eu nunca tinha parado pra pensar no nome verdadeiro do Fitz até ele aparecer. De repente lembrei que ele nem sempre foi literalmente chamado de “Bastardo” e fiquei triste.
- Você não sabe o que é sofrimento até seu personagem preferido ser torturado até morrer sozinho, agonizando, sem saber se tudo que ele fez na vida serviu para alguma coisa. Alguém quer montar um Grupo de Apoio de Leitores da Robin Hobb e discutir isso em reuniões semanais?
- Sério, a gente pode falar sobre como a tortura do Bobo e o Fitz encontrando ele morto foi a coisa mais horrível que já aconteceu num livro, na história das coisas horríveis que já aconteceram em livros? Podemos falar rapidinho sobre como o Bobo sempre soube que a morte dele ia ser assim e teve que viver com isso e ainda perseguiu seus objetivos incansavelmente? Dá licença enquanto eu vou chorar em posição fetal.
- Aliás: “Meu sonho estava morto nos meus braços.” QUEM DEIXA A HOBB ESCREVER ESSAS COISAS???
- Fitz/Beloved: é tão bonito, gente, mas tão bonito, eu só quero que eles sejam felizes juntos. PFVR ROBIN NUNCA TE PEDI NADA.
- Falando em Beloved, amei-amei-ameeei que ele tomou o cuidado de deixar uma casa para a Garetha, a jardineira que era apaixonada por ele. Ai.
- “Eu tomo a morte dele para mim!” O QUE FOI ESSA RESSURREIÇÃO? Genial. Adorei o segredo da coroa.
- A mudança de cor dos profetas brancos é bem interessante. Gostei da ideia de que a brancura não é um ideal de pureza, e que à medida que eles evoluem a pele vai ficando mais escura.
- Tanto o Bobo como o Fitz ficarem com as lembranças dos respectivos sofrimentos só ressaltou como o final de Liveship Traders foi zoado. Não consigo conciliar o que aconteceu com a Althea e tudo que acontece nos outros livros.
- MINHA QUERIDA PATIENCE. Chorei rios quando eles se reencontraram.
- Nettle enchendo o saco de Tintaglia até ela convencer Icefyre a colocar a cabeça no salão de Elliania. Épico. Amo essa garota.
- A VOLTA DO BURRICH. A REAÇÃO DELE QUANDO DESCOBRIU QUE O FITZ ESTAVA VIVO. #MORTA </3 Amo esse personagem, por mais teimoso que ele seja. Estou em negação sobre a morte dele, ainda mais porque foi super conveniente pra resolver o triângulo amoroso, né? Afe.
- Aliás, não gostei de o Fitz voltar com a Molly. Sempre achei que a fundação do relacionamento deles era meio frágil: ele sempre escondeu dela todos os aspectos reais da vida dele, e a encarava de um jeito bastante idealizado, quase como uma possibilidade de voltar à breve infância feliz que teve. E ainda resta a dúvida, no final, do quanto ela fica sabendo sobre tudo.
- MAS O PIOR É: Kettricken e Chade praticamente reconhecem que Fitz é o rei não oficial dos Seis Ducados e DAÍ ELE VAI EMBORA? Essa história ficou bem estranha.
- O poema. Me enterrem com o poema.
- Aquele parágrafo final foi pra dar uma última facada no meu coração já debilitado. Por que a Hobb faz isso comigo? Bom, estarei aqui pacientemente esperando mais sofrimentos com os livros da próxima trilogia do Fitz (e me perguntando como teve gente que esperou 10 anos por ela!).
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Fool’s Fate
Autora: Robin Hobb
Editora: Bantam Books
Ano de publicação: 2004
916 páginas
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Resenhas da série Realm of the Elderlings:
Trilogia Farseer/Saga do Assassino: O aprendiz de assassino – O assassino do rei – A fúria do assassino
Trilogia Liveship Traders: Ship of Magic – Mad Ship – Ship of Destiny
Trilogia The Tawny Man: Fool’s Errand – Golden Fool – Fool’s Fate
Rain Wild Chronicles: Dragon Keeper – Dragon Haven – City of Dragons – Blood of Dragons
Trilogia The Fitz and the Fool: Fool’s Assassin ─ Fool’s Quest
Citações preferidas
Às vezes parece injusto que eventos tão antigos possam nos alcançar através dos anos, enfiando as garras na vida de uma pessoa e torcendo tudo que se segue. Mas talvez essa seja a justiça final: nós somos a soma de tudo o que fizemos mais a soma de tudo o que foi feito a nós. Nenhum de nós pode escapar disso.
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“A humanidade não teme nenhum rival. Vocês esqueceram o que é dividir o mundo com criaturas tão arrogantemente superiores quanto vocês mesmos. Querem arrumar o mundo de acordo com seus desejos. Então mapeiam a terra e desenham linhas sobre ela, clamando a sua posse simplesmente porque conseguem desenhá-las. As plantas que crescem e as criaturas que caminham vocês marcam como suas, reivindicando não só o que vive hoje, mas o que pode crescer amanhã, para fazer com elas o que quiserem. Então, na sua arrogância e agressão, travam guerras e matam uns aos outros por causa das linhas que imaginaram sobre a face do mundo.”
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Um lar são pessoas. Não um lugar. Se você voltar para lá depois que todas as pessoas se foram, tudo que conseguirá ver é o que não está mais lá.
*
Eu me lembro do resto daquela noite e do dia e da noite seguintes como alguém se lembra de sonhos febris. Minha mente tenta escapar de lembrar todo o sofrimento que suportei. “Estava tudo na sua mente”, Chade me disse algum tempo depois, e senti uma pontada de mágoa ao vê-lo desprezar tão facilmente tudo pelo que eu tinha passado. A vida toda, eu quis dizer para ele, está nas nossas mentes. Onde mais ela ocorre, onde mais nós somamos o que ela significa para nós e subtraímos aquilo que perdemos? Um acontecimento é só um acontecimento até que alguma pessoa lhe atribua significado.
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Eu encontrei o meu pulso com a mão dele. Os dedos sabiam onde pousar. Por um momento, nossos olhares se encontraram enquanto nos juntávamos em união. Uma pessoa. Nós sempre fôramos uma pessoa. Nighteyes o tinha dito havia muito tempo. Era bom estar completo de novo. […] Nenhum limite, eu lembrei dele dizendo, e subitamente entendi. Não havia fronteiras entre nós.
*
“Você muda quem é de um ano para outro de um lugar para outro. Nunca se arrepende de que ninguém realmente o conhece como a pessoa que nasceu?”
Ele balançou a cabeça lentamente. “Eu não sou a pessoa que nasci. Nem você. Não conheço ninguém que seja. A verdade, Fitz, é que nós apenas conhecemos facetas uns dos outros. Talvez sintamos que conhecemos alguém bem quando conhecemos várias facetas daquela pessoa. Pai, filho, irmão, amigo, amante, marido… um homem pode ser todas essas coisas, mas ninguém pode conhecê-lo em todos esses papéis. Eu vejo você sendo o pai de Hap, mas não o conheço como conhecia o meu pai, tampouco conhecia meu pai como meu irmão o conhecia. Então, quando me apresento sob uma luz diferente, eu não estou fingindo. Estou revelando um aspecto diferente ao mundo do que eles viram antes. A verdade é que há um lugar no meu coração onde eu sou eternamente o Bobo e seu companheiro de infância. E dentro de mim há um Lorde Golden genuíno, que aprecia boas bebidas e comida bem-preparada e roupas elegantes e conversas espirituosas. E assim, quando eu me apresento como ele, não estou enganando ninguém, apenas compartilhando uma parte diferente de mim mesmo.”
“E Amber?” eu perguntei em voz baixa. […]
“Ela é uma faceta de mim. Nada mais que isso. E nada menos.”
*
Era adeus, e eu sabia, e sabia que eu não podia fazer nada para impedi-lo. Eu fiquei imóvel, sentindo que me tornava vazio e frio, como se Nighteyes estivesse morrendo de novo. Eu o estava perdendo. Ele estava se retirando da minha vida e eu sentia como se estivesse sangrando até a morte, como se minha vida escorresse de mim.
Fiquei curioso para saber quais os outros livros nesse grupo muito reduzido.
Hahaha, principalmente A canção de Aquiles (tem resenha dele aqui no blog; leio uns trechos de vez em quando e paro logo que começo a ter emoções). E alguns clássicos também são de matar, tipo Um conto de duas cidades, do Dickens, e O idiota, do Dostoiévski (se bem que eu provavelmente leria esse de novo, apesar de todo o sofrimento).
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Que bom ter com quem falar dessa trilogia. Também chorei litros, sofri quilos e estou numa ressaca literária tão intensa que não consigo ler mais nada… Tipo, precisava mesmo o Fitz ficar preso naquele rio de talento durante meses e perder o reencontro com o bobo quando ele voltou para se despedir?
Tb já li a trilogia Fitz and the Fool. Acho que lá no fundo eu torcia para que o bobo e o Fitz ficassem juntos, como um casal feliz para sempre… Mas valeu a pena só para conhecer a Bee, que eu torço que um dia tenha sua própria trilogia.
Oi, Nilda! Nem me fale, acho que esse foi o livro da Hobb que mais me fez sofrer – ela não tem dó nem dos personagens, nem dos leitores, rs. Eu também torcia pra última trilogia terminar diferente, ou pelo menos não de modo tão cruel… de toda forma, é uma série que estará pra sempre entre as minhas preferidas.
Obrigada pela visita!